quinta-feira, novembro 18, 2004

 

Imenso Portugal


"Alista-te e viaja; conhece novos mundos", diziam eles! Afinal guardam-me durante meses numa vila minúscula que se agarra aflita às encostas com medo de cair ao lago. E quando finalmente me dão um bilhete de avião, é para esse paraíso para mim de todo desconhecido e ao qual chamam Portugal! Postas as coisas numa tal banalidade, esforcei-me por criar uma situação invulgar: não avisar ninguém e aparecer de surpresa quer na capital, quer na terriola que tenho por natal.

Foi só registar-me num hotel fino da Avenida da Liberdade, e dei uma nova hipótese ao meu velho telemóvel português: concedi-lhe a tarefa de me pôr em contacto com potenciais amigos que se surpreenderiam por ver-me. Sem nunca revelar o meu paradeiro, lá fui entremeando nas conversas perguntas estratégicas para saber da localização de cada um dos elementos da minha lista telefónica. Casamentos, pais, festas, filhos, passeios ou sobrinhos, tudo parecia razão para ninguém pairar por Lisboa.

Estratégia alterada, fiz-me à estrada direito à aldeia. Estacionei o carro por detrás do casebre e bati à porta das traseiras como quem vizinho é. Sem ouvir reacção, voltei a bater. E mais uma vez bati, até que resolvi ir bater a outra porta. A da frente não apresentou resultado diferente, e não sendo o casebre dotado de portas laterais, só me restou voltar ao velho amigo telemóvel para pôr-me em contacto com os potenciais surpreendidos de súbito desaparecidos. Quando eu pensava que tinha já enfrentado todas as razões para não encontrar gente conhecida, eis que mais algumas se juntam à festa: caça, concertos e saraus!

Se à terceira é de vez e se eu era já reincidente, decidi não deixar probabilidade a uma nova decepção. Ala para a tasca do "sô Sesmeiro", que ele está lá sempre de copo pronto na mesa para nos receber. Um copo para receber, uns tantos para entreter, um antes do apito inicial, um a cada falta, outro a cada erro do árbitro, uns tantos para animar a discussão sobre as substituições e mais um pelos minutos de compensação. Bastaram dois jogos completos para matar saudades do maior homem lá da terra. Da terra e de todo este "imenso Portugal", que por Fátima passei na autoestrada e o fado, cantei-o em honra dos copos. Já posso voltar para a Suiça.

"É mais um pró caminho, ó sô Sesmeiro!"



Comments:
Marinheiro como te intitulas, não te vejo em hotel fino da Avenida mas sim em pensão decrépita do Cais. Estaria mais de acordo com a tua condição. A não ser que consideres marinheiros todos aqueles que viajam por mar, dos moços ao piloto, do grumete ao capitão.
Seja como for, espero que não tenhas voltado para a Suíça de carro, porque depois de tantas e tão frescas, creio que seria por demais perigoso.

Grinch
 
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
 
Pois um marinheiro num hotel "faneco" é como um superherói que não necessita de capa voadora para voar. A capa é só uma ajuda para os pobres de espírito que não conseguem imaginar um ser voador sem qualquer tipo de artefacto aeronáutico. Mas bem aventurados sejam estes, que deles não me esqueci: em jeito de bom "cliché", posso confirmar que, em noites de reconciliação com a cidade, naufraguei no mar de variedade e escorbuto que é o Cais do Sodré.
 
Pois fizeste tu muito bem, que no velhinho Cais viajam todos os marinheiros sem embarcação, Lusitanos e outros, correndo o mundo sem sair do lugar, da Europa à Ásia, de Oslo a Tokyo, de Copenhaga a Shangri-Lá. Sem esquecer, claro, de passar pela bela ilha caribeña inebriando-se com os vapores da vegetação.
Continua então a tua viagem.
Yoh, my man.

Grinch
 
Enviar um comentário

<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?