domingo, agosto 28, 2005

 

Produtividade selvagem

Critica-se a baixa produtividade portuguesa e tenta-se olhar lá para fora em busca de bons exemplos. Olhemos então:

LADY BRACKNELL: Do you smoke?
JACK: Well, yes, I must admit I smoke.
LADY BRACKNELL: I'm glad to hear it. A man should always have an occupation of some kind. There are far too many idle men in London as it is.

Oscar Wild, The Importance of being Ernest

 

Kuala Lumpur mercante


Muito do encanto de Kuala Lumpur reside nos seus mercados agitados. Cada mercado tem a sua cultura e regras próprias, consoante a étnia que os alimenta, quer da parte dos vendedores quer da parte dos que compram ou por ele se passeiam.

No coração da China Town fervilha Petaling Street, um mercado de, claro está, chineses. Muito dada ao comércio, a população chinesa da Malásia controla de tal forma a economia do país, que o governo impôs mecanismos artificiais para devolver à iniciativa privada malaia um papel mais decisivo. E é curioso notar que este é um dos poucos mercados dados ao regateio, com uma regra de ouro segundo a qual o preço óptimo equivale a metade da primeira oferta. Tornou-se no mais famoso e turístico mercado da capital malaia, sobretudo à custa dos relógios primorosamente falsificados que disponibiliza. São centenas de bancadas recheadas de braceletes reluzentes, que os vendedores insistem em mostrar-nos, ainda que já os tenhamos visto exactamente iguais em todas as bancadas precedentes. Será devido à pouca diferenciação entre vendedores que cada um deles se esforça ao máximo por fechar negócio logo à primeira. E é para não garantir que nenhuma bancada passa despercebida (e para grande satisfação dos carteiristas) os corredores foram reduzidos à largura de dois corpos humanos, cada pedaço entregue a um sentido: basta que uma pessoa pare para ver a mercadoria para que toda a rua fique peatonalmente intransitável.

A poucos quarteirões dali, fica o Central Market, aquele que foi em tempos um mercado de frutas, legumes e alimentos frescos, e que agora se dedica ao artesanato local, depois do governo da cidade ter achado impróprio ter um wet market como principal mercado. Vai daí, mandaram-se frutas exóticas e peixe fresco às urtigas, e criou-se um mercado insosso pronto a consumir pelo turista, sem que este tenha de submeter o seu novíssimo Patek Phillippe falsificado ao sal energético dum verdadeiro mercado.




Kuala Lumpur, Agosto 2005

Mas é em Little India que encontrei a pérola dos mercados, o Saturday Market. Uma rua estreita mas longa que se fecha ao trânsito a partir das 5 da tarde uma vez por semana para albergar todo um bazar das Índias: comida, sumos naturais refescados por gelo que os miúdos arrastam pelo chão em grandes blocos, frutos tropicais, especiarias várias, quinquilharia abundante. Pena é que o mercado só exista uma vez por semana, ao contrário do Sunday Market, que, imagine-se, acontece todos os dias! Este último parece já ter conhecido melhores dias de grande animação, não sendo hoje mais do que um conjunto de restaurantes banais entregues a mosquitos variados. Foi aqui que encontrei outra alma perdida, também enganada por um guia turistico: embora de editoras diferentes e em línguas distintas, ambos os guias falavam apenas dos melhores dias e nada da desilusão do presente.

Aceitam-se sugestões para guias decentes...


sexta-feira, agosto 26, 2005

 

Outros portos


Hoje, à falta de inspiração e à ambundância de tempo, dedico-me a começar a preencher a coluna da direita com ligações a endereços do meu apreço, nomeadamente no mapa da blogosfera.

No Mundo é um verdadeiro bazar de cultura internacional, abrilhantado pelas fotografias do Carlos. Um dos melhores blogues que conheço!

N'ablogadela a Ana vai nos desafiando a cada dia.

Aos francófonos proponho uma visita ao Le Monde à l'usage, a descrição em tempo real da viagem ao mundo sem avião que dois jornalistas estão a levar a cabo.

Boas leituras. Novos endereços serão adicionados, e sugestões são bem aceites!

quinta-feira, agosto 25, 2005

 

Soneto limitado para um Chico Ancorado


Que se busque já incessantemente
Quem há muito está desaparecido
Alvíssaras para o bem sucedido
Para o descobridor busto imponente

Procurando alimento para a mente
Poderá ter-se ele em amores perdido
Algures para Norte sucumbido
A uma forte paixão efervescente

Retorna depressa ser ancorado
E com palavras de maravilhar
Rasga horizontes num blogue amarrado

Pois mais romântico que navegar
Mais desafiante que mar agitado

É pouco ver e muito imaginar

terça-feira, agosto 23, 2005

 

Gostar daquilo


A ilha não era deserta. Antes fosse: assim não teria de suportar as vozes embriagadas dos japoneses, chineses e norte-coreanos que cuspiam nos microfones dos bares da praia canções já muito batidas, tropeçando nas legendas mostradas no ecrã. Saberá alguém explicar-me porque é que eles gostam tanto daquilo?

segunda-feira, agosto 22, 2005

 

Redang

Foi para escapar ao fumo que nos fizemos à estrada, em busca das prometidas praias paradisíacas do oriente malaio, perdidas numa ilha do mar chinês.

Saímos cedo, porque um colega local nos tinha calculado a jornada em quatro horas. Quatro que passaram a ser seis quando a auto-estrada acabava já ali à saída da capital: "vou-me chatear com o colega quando voltar"; seis horas que passaram a sete quando não havia placas a meio do caminho e nos perdemos: "vou deixar de falar com o gajo quando voltar"; sete horas que passaram a oito quando a estrada começou a atravessar todo e qualquer vilarejo pejado de semáforos: "vou-lhe mas é dar um enxerto de porrada"; oito horas que passaram a nove quando ninguem nos sabia indicar o caminho para fazer os últimos vinte quilómetros: "isto vai ser o Apocalipse malaio quando voltar ao escritório na segunda-feira".

Como não há cabo demasiado difícil de ultrapassar para quem do Restelo zarpou, foi como a inspiração do Vasco, do Pedro Álvares e de outros tantos marinheiros que dez horas depois chegámos por fim ao porto de acesso à ilha. Com os trunfos dos grandes navegadores já gastos, e sem musas à vista (a única mulher nas redondezas era a esposa do barqueiro, a quem já faltavam todos os dentes da frente), foi entregues a nós próprios que subimos a um barco que nem o Tejo parecia ser capaz de atravessar.

Mal atravessámos a barra, já o motor debitava potência máxima, que a travessia ainda dá para uma hora. O mar ondulava ligeiramente, e o rasgo que o casco do barco abria na água salpicava-nos os lábios de sal, deliciosa lembrança de vivências à beira mar. E não fosse a melancolia ser em demasia, à medida que deixávamos de ver a costa, o barco agitava-se cada vez mais, alimentando a adrenalina, tão esquecida em semanas de trabalho enfadonhas em frente ao computador.

O povo terá a sua sabedoria, e diz ele que para tudo há peso e medida apropriados. Para a gula da adrenalina havê-los-á também, e desconfiei que ela já estaria empanturrada quando uma vaga varreu o convés e o barqueiro se sujeitou a um golpe de rins para pôr o barco de novo na sua rota. Banhos não são coisa boa para a digestão, e comecei a ficar preocupado com um tal manjar da adrenalina. O homem do leme pareceu compreender o meu receio, e respondeu à minha expressão com uma gargalhada nervosa: "isto é normal, amigo". Mas pelo sim, pelas ondas, pelo não, decidiu reduzir a velocidade. Quiçás como prova de medo terá o mar entendido esta decisão, e lá achou que seria boa altura para fazer avançar a cavalaria: a primeria onda inclinou o barco uns 45 graus e agarrei a mochila e a máquina fotográfica; a segunda onda quase o virou e larguei a mochila; a terceira (é sempre desta que é de vez) mandou-me borda fora. "Homem ao mar" foi a única coisa que me lembrei de dizer nessa altura, mas logo me apercebi da incorrecção e inutilidade do grito: não só éramos vários os homens no mar, como também não restavam potenciais socorristas a bordo do barco virado do avesso.

Estiquei o braço direito (o da superioridade) o mais que pude e ergui no ar a máquina fotográfica, qual Camões defendento os seus poemas da raiva do mar; com o braço esquerdo (o da luta) tentava manter-me à tona de água. Os salpicos deliciosos eram agora golfadas de água sofocantes directamente boca a dentro e era dificil não sucumbir às ondas avassaladoras. Uma vaga maior cobriu-me a cabeça, mas foi com todo o esforço que concegui manter seco o álbum digital da minha arte. Uma outra ameaçou-me de morte, mas novamente fiz uso de todas as minhas forças existentes e virtuais para salvar o meu reino.

Foi apenas quando já pouco restava das forças existentes ou da imaginação para gerar forças virtuais, que uma embarcação bastante maior nos recolheu. "Salve, ó irmão, esteja contigo a graça de todos os deuses, sejas tu malaio, chinês, indiano, indonésio, inglês, holandês, português, marciano ou mesmo o filho da puta que me disse que eram só quatro horas de viagem". Atirei-me ao soalho do convés salvador e adormeci no alívio de ter ainda comigo os bits da minha criação. Não fosse esse esforço sobrehumano e nunca teria podido, qual Dante, partilhar convosco a visão do paraíso.


Redang Island, Agosto 2003


sexta-feira, agosto 12, 2005

 

Sairia o povo à rua num dia assim?


"O governo mandou fechar as escolas, o Presidente delarou o estado de emergência, o porto foi encerrado, as autoestradas de acesso à capital bloquedas e todos os aviões desviados do aeroporto."

O comércio fecha portas apressadamente; a rádio apela à calma dos populares; a televisão é tomada e suspende a emissão; aos médicos acorrem aos hospitais; os tanques marcham sobre a baixa de Kuala Lumpur e o povo vai entre eles. O povo saiu à rua. Gritam-se palavras de ordem, chama-se pela liberdade.

E são já cravos que se vêm nas mão das crianças, nos canos das espigandas, nas lapelas dos jovens executivos, presos às boinas dos militares, pendurados nas varandas.

É o 25 de Abril na Malásia, é a revolução para a democracia, o fim da actual ditadura.

Mas as sirenes tocam... As sirenes tocam... As sirenes tocam... As sirenes continuam a tocar... Não param de tocar as sirenes... As sirenes que tocam cada vez mais alto... As sirenes que tocam... As sirenes...

- Mas estão a tocar para quê, porra?

- Não são as sirenes, burro. É a merda do telefone que está a tocar: a tua bela chefe a dizer que já são sete e meia e ainda não estás no trabalho! E desliga a porcaria do rádio que deixaste ligado ontem à noite, e que desde há uma hora não deixa de falar no estado de emergência decretado pelo governo por causa da fumarada.

E é de saudade abrilista de filho da madrugada que me cuspo quarto de hotel afora, para enfrentar uma caminhada por entre o fumo até ao antro imperialista que me dá de comer. Sairia o povo à rua num dia assim?

Máscara de gás chamada vidro, Agosto 2005


quinta-feira, agosto 11, 2005

 

Sumatra aqui ao lado


E não é que está mesmo? Tão ao lado, que o fumo dos inúmeros incêndios na Indonésia (país em chamas – onde é que eu já ouvi isto?) provoca um nevoeiro cerrado e intoxicante por entre os arranha-céus de Kuala Lumpur. Parecem ser os maus ventos (de casamentos nada ouvi falar, mas o amor português à Indonésia é semelhante àquele nutrido por Espanha) da estação que trazem todo este cheiro a lareira mal acendida com que temos de viver diariamente.

Deixo-vos a imagem da cegueira, introduzindo o que já muitas famílias (não são muitas, são até poucas, mas eu nunca gostei de contabilidade nem tão pouco de Censos) me pediam: o fotoblogue. A primeira experiência segue em jeito de fotojornalismo, para manter baixa a fasquia, que a aptidão física (para salto em altura ou em qualquer outra direcção) a partir desta idade mais não faz que decrecer.




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