terça-feira, janeiro 11, 2005

 

Guerra sem estúdio


Fugi pois dos montes alpinos no primeiro avião disponível, que diz o povo que em tempos de guerra não há quem limpe armas. Acho muito mal, sobretudo naquelas guerras que duram muitos anos. Imaginem lá o estado das armas que os pobres soldados têm de carregar! O que eles necessitam lá nas trincheiras é duma mulher a dias, qual guerreira do pó de espanador em riste. Mas dessas lavras militares outros fazem livros e grossos volumes. Eu limitei-me a apanhar o primeiro avião disponível. Para batalhas já me bastam as do dia-a-dia.

Não pensem porém que batalhas que se travam todos os dias são menos aguerridas do que as militares. Que o digam os elementos do batalhão infantil "Bebés da Iberia" que faziam ecoar no ar seco do avião gritos que se diriam do mais agonizante sofrimento. Um à minha frente, dois a meu lado e três atrás, deixavam-me isolado dum sono a que eu me queria juntar durante aquela hora e meia de vôo entre Genebra e Madrid. Com toda a certeza pertenciam à banda do seu exército, tal era a sincronia perfeita com que nos presenteavam: grandes tenores em solo ou coralistas exímios quer a duas, três ou quatro vozes. Nem nos cânons apresentavam dificuldades, desde os mais simples aos mais complexos. Figuras de silêncio não contavam nas suas pautas, que quando um verdadeiro guerreiro ataca, fá-lo sem misericórdia.

Invadido na minha audição, logo desde a primeira investida hasteei o lenço branco, mas as hospedeiras não me quizeram sarar as feridas com tampões para os ouvidos ou transferindo-me para uma trincheira mais pacífica. Sem possibilidades de defesa contra o invasor cruel, tive de permití-lo nos meus domínios auditivos. Agora que tento por fim descansar, várias horas depois da invasão, parecem relutantes em desocupar os meus territórios e os seus cantos terríveis ecoam ainda nos meus ouvidos.


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