domingo, janeiro 23, 2005

 

Ópera no gelo


Os cachecóis enchiam as ruas de Genebra em noite de derby nacional contra os inimigos de Lausanne. Casa cheia para testemunhar a disputa da liderança do campeonato, inúmeros batalhões de barris de cerveja que antes perder do que passar sede; camiões vários de polícias para juntar o azul às cores vermelha e branca da festa.

A equipa visitante entra em campo ao habitual som desmoralizador de assobios e palavras menos amistosas, os visitados são ovacionados, e a equipa de abitragem é recebida por um silêncio respeitoso.

Jogava-se forte, jogava-se duro, tão duro que pouco tempo depois do apito inicial já alguns jogadores se escondiam por detrás duma nuvém de punhos violentos. Nada que o respeito pelo juíz em campo não acalmasse, e lá voltaram os bravos à conquista do golo. Reacção da multidão? Assobiaram a escaramuça e bateram palmas ao regresso à lei do jogo.

O golo veio como em qualquer jogo que se quer bom. Depois vieram mais dois, um para cada lado, numero igual de jogadores que descançaram antes do tempo à conta duma boa porção de sangue que caíu no solo. Reacção da populaça? Saltaram de alegria com os golos, pois claro. Quanto a vestigios de violência nem o melhor dos arqueólogos os descobriria, tão sabe esta gente o quão o desporto é espectáculo e o espectáculo é prazer alegre.

Lausanne perdia, mas sabia a sua claque que é exactamente nestes momentos que o tambor incitador à resistência mais se deve sentir, que as vozes motivantes à galvanização se devem ouvir. Terá sido por o saberem que quanto mais perdiam mais incitavam os seus bravos à reviravolta, tal como eles nunca dispostos a terminar com o esforço antes do fim da esperança.

Nem mesmo quando o áribtro anulou erradamente um golo as coisas aqueceram do lado das bancadas. Afinal nada melhor do que tomar partido das tecnologias já velhas para através da repetição corrigir o erro em tempo certo, validar o tento e continuar com a partida. O hóquei no gelo não faz rodar milhões, mas os milhares que por ele passam parecem ser mais bem utilizados na manutenção da credibilidade da pessoa do juíz do que num futebol que ameaça contaminar o resto da sociedade com desrespeito pelo intérprete da lei, populismo e política de tasca.

O final foi acompanhado de palmas para a equipa vencedora que agradeceu com vénias e três reentradas em campo. Para poder ser o final duma ópera só faltou o clássico bravo, que mesmo em Lisboa os portugueses insistem em pronunciar em jeitos parisienses.


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