quarta-feira, fevereiro 23, 2005
O cartão é quem mais ordena
Ainda era cachopo e já me tinham dito que aquilo afinal era uma farça, que na televisão ninguém batia palmas, ria ou se espantava espontaneamente: tudo era apenas o respeito fiel das ordens de cartão que o assistente levantava a cada momento do programa. Claro que todos ficámos um pouco desiludidos, mas até se compreendia e se compreende que a televisão é feita para encantar: quem é que acreditou no galã que oferecia a lua?
Ninguém me ofereceu a lua quando assinei contrato, e se o tivessem feito não teria aceite a proposta, porque duma empresa não se esperam encantos. Lá nos diz a lei de mercado que uma empresa existe para dar lucro, e de esmola avantajada todo o candidato desconfia: quando o lucro é o fim os encantos que existem serão sempre falsos e apenas dirigidos a quem contribui para a caixa dessa rentabilidade. Para as rodas dentadas que fazem o monstro mover-se apenas óleo para que o chinfrim do atrito reivindicativo não afaste a clientela.
O óleo é aplicado em doses semestrais, na altura em que se tenta sincronizar as rodas inúmeras. Mas mesmo antes de óleo, qualquer um sabe que a todos os motores uma limpeza se tem de aplicar. Uma eliminação de ideias potencialmente corrosivas do caminho há já muito delineado por um profeta que nunca existiu e que existe em cada um de nós, no vazio sempre existente nas nossas carteiras, desde a mais cheia do rico à mais vazia do pobre. Há que limar qualquer tipo de arestas que possam riscar as demais circunferências postas em marcha.
Assim como os soldados das trincheiras, os motores do lucro só poderão ter um objectivo. Não se poderá deixar tempo a indecisões nas cabeças da frente de batalha, sob o risco, maior do que a morte destes, do insucesso financeiro. Coisa que faz sentido, num toma lá salário e descanço de consciência cega, dá cá poupança nas balas gastas. Assim se compreendem e aconselham campanhas massivas de motivação de tropas corporativas.
Não pensem porém que poupar balas é coisa de menos inteligência. Será coisa quiçá apenas ao alcance de consciências traquilizadas, mas de gentes de elevado potencial neurónico, de gentes pensantes. Gentes da espécie humana, que como tal também necessitam de motivação para fixarem um objectivo e por ele lutarem. Não me espanta, e acho necessário até essa tentativa de realçar o valor positivo do objectivo.
A motivação terá de vir de cima, e de cima vieram da última vez os comandantes supremos com discursos empolgantes, daqueles que se querem tocantes na mais profunda fibra dos nossos músculos, estimulando-os para a acção. Caso não consigam fazer-nos mover, fazer-nos seguir voluntariamente o caminho indicado, de nada servem. Da mesma forma que de nada serve um soldado da frente duvidoso do seu alvo. Os comandantes vieram, mas antes da sua entrada em cena mostrou-se o cartão do "aplausos de pé", viciando a nossa reacção à palestra. Não sei quem é que se quer enganar, quem é que não quer saber se a motivação teve sucesso ou não. Será o homem do cartão, responsável por esta divisão da tropa, que por aplausos de pé, falsos ou não, quer ter honras de medalhas? Será o comandante que nem quer equacionar a hipótese de ter um discurso sem efeito? Ou seremos mesmo nós que queremos esquecer que a inteligência que nos faz Homens pode ser usada para mais do que apenas encontrar fontes redução de custos? Que pode, inclusivamente, ser utilizada para descodificar o discurso de limpeza? Deixaremos essa tarefa apenas para o homem do cartão?
Pelo que tenho visto, temos de facto inteligência para descodificar mensagens, e utilizamo-la. O que fazemos é esquecer a nossa avaliação e seguir cegamente o cartão levantado, amedrontados com a possível fúria despromotora do chefe das tropas ou certos de que é pelo lambebotismo que algum dia seremos gente.
O mais triste é ver que esta multidão que é inteligente acaba por escolher uma má estratégia: reduzem-se à vergonha do seguidismo para ser gente algum dia, quando com um pouco mais de esforço mental poderiam arriscar afirmar ideias próprias e descobrirem isso as torna gente de pleno direito, já hoje!
Para quê a espera?
Comments:
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ahhhh! nós lá na câmara municipal do burgo também temos funcionários a levantar cartões com dizeres semelhantes. e também cheira muito a graxa. e há dias em que se vê mesmo gente com tendinites na língua descaída para o lado de fora...
será que a tua empresa tem uma junta-ventura com a administração local????
ah, deve ser da marca da água nos bebedouros! será?
será que a tua empresa tem uma junta-ventura com a administração local????
ah, deve ser da marca da água nos bebedouros! será?
querido zé, sé que estás visitando las hermosas pampas, pero necesito tu ayuda: cómo se llama el dueño del edificio donde estuviste viviendo en Clarens? aquí tengo el hermoso cobertor de pluma que me dejaste, y no sé a quién dárselo. en cuanto a la botella, ya te lo dije: sería muy injusto para el porto que me lo tomara yo sola. así que esperaré lo que sea necesario.... por ahora, me conformaré con un buen tequila añejo y unas gotas de limón.
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