quarta-feira, outubro 19, 2005
Sem bico ou pé chato
sábado, outubro 01, 2005
Música electroacústica dá para assediar?
Nunca tinha pensado nisso, até ver o blogue em que a Helena se esforça por esquecer os acontecimentos da vida portuguesa para tentar falar de música electroacústica. Ela ainda não o conseguiu fazer (em Portugal sempre vão acontecendo uns faits divers dignos de registo), mas poderão acompanhar a luta, bem ao jeito de assédio.
Schengen demoníaco
Perante a falta de tempo entre limpar o convés e descascar batatas para o jantar, decidi passar a publicar aqui apenas algumas coisinhas pequeninas que vou encontrando pelos portos por onde vou passando, pormenores que não fazendo a regra, nos deixam bastante liberdade para generalizações mais ou menos abusivas.
Começo com duas relíquias da Suíça: dois cartazes dos defensores do não à adesão da Suíça ao Tratado de Schengen. Já lá vão uns valentes meses depois da vitória do sim em referendo, mas concordarão comigo que os cartazes são de ficar na memória.
Deixo comentários adicionais por vossa conta…
quinta-feira, setembro 22, 2005
Contaminado
Apedrejamento, já!
"[...] and Me, Me alone should you fear".
Corão, Surah 2, 41
Diz-se que há pouca liberdade religiosa no mundo, clama-se que os israelitas não respeitam os palestinianos, argumenta-se que o ocidente não aceita a religião árabe, culpam-se os Estados Unidos por tentarem destruir a cultura muçulmana. Mas qual Bush, quais israelitas, quais jacobinos, qual capitalismo: o que mais atinge a religião do Corão são as companhias aérias da época moderna! Estou mesmo convencido que o pior pesadelo do Bin Laden é voar na EasyJet!
No Paquistão caí na tentação de comprar o Corão, numa daquelas confianças de que vamos lê-lo para saber mais sobre as outras culturas. E até o comecei a ler, aos bocadinhos e devagarinho, como aliás se devem tratar coisas que explodem. Uma página este mês, duas no seguinte, e se o terceiro projecto deixar chego mesmo a ler umas quatro páginas num só mês!
Não conheço versões digitais do Corão, e a que tenho é bem real e bem pesada. Agora que ando aos tropeções pela Europa, as companhias aéreas não gostam de exageros livreiros e limitam-nos o peso a transportar. Está claro de ver que o Corão teve de ficar para trás, arrumado num cacifo da sede duma multinacional imperialista-capitalista, à espera de limites de peso melhores.
É hora de nos revoltarmos contra esta falta de respeito pela religião alheia. Não gasteis as vossas energias em frente à Embaixada dos EUA em Lisboa, não envieis mais mensagens para a ONU, não assineis mais abaixo-assinados, não marcheis mais pelas ruas da baixa em protesto. Vamos mas é todos à Portela e ao aeroporto de Faro apedrejar os aviões da Ryanair, da EasyJet, da Air Berlin, da Germanwings, de outras que tais, e quem sabe mesmo até da British Airways, que agora também se atreve a baixar os preços. Ou, anedota velhinha onde andas tu, chamamos os jogadores do Sporting para fazerem lá o célebre anúncio da Nike no aeroporto?
domingo, setembro 18, 2005
No good names required
Em Domingo de trabalho enfadonho, deixo-vos as impressões frequentes da Luísa, um optimismo que não necessita de qualidade nos nomes: all-the-good-names-were-taken.
quinta-feira, setembro 15, 2005
Especificidades portuguesas em Paris
Já tinha percorrido a cidade turistica de lés a pavio, exorbitância inútil da Torre Eiffel e interminável sofrimento do Museu do Louvre incluídos. Foi por isso que decidi deixar o tempo dum fim-de-semana em Paris escorrer desinteressadamente. Mas qual político doméstico, permiti que uma boa ideia se tornasse num erro estratégico ao dar-me à influência de grupos de pressão. Nem tive sequer direito a encher bolsos com pagamentos de favores, não fosse o grupo chamar-se família.
"Família para aquelas bandas?", estranhou o sueco, para quem tal conceito incluí apenas pais, irmãos e filhos. Que não estranhe então a Comissão Europeia quando falamos duma "especificidade portuguesa" quando nos desculpamos por não cumprimos o (pouco) que de nós é esperado. É que com essa herança salazarista, nós, os portugueses, temos uma família muito mais numerosa e complexa a gerir: o reumatismo do avô, a bisbilhotice da sogra, a tagarelice da tia, o sucesso do primo, o tradicionalismo da madrinha, o olhar sedutor da prima, a dentadura da avó, a desconfiança do sogro, as mamas da irmã dela, o carrão do marido da irmã dela, a matemática dos primos em segundo e terceiro grau, o cartão de vacinas do cão, o cio da gata, a alpista do piriquito, e, nas melhores famílias, a toalha "só para quando o senhor prior cá vem". Está bom de ver que a gestão de toda esta complexidade nos deixa pouco tempo para contribuir para o aumento da productividade nacional. E nem valerá a pena quantificar o que acontece ao défice quando há que comprar prendas de Natal para toda esta gente, mas refira-se a possibilidade de ser deste facto de que advêm todos os pares de meias e de cuecas que o orçamento esticado lá vai permitindo distribuir por toda a tribo. Não levei o sueco, mas talvez o devesse ter levado para que se apecebesse do que é "esta triste sina de ser português", que ainda consegue ser mais triste do que utilizar o lugar-comum que acabei de citar!
Mesa extendida para que cobessem dois pares de tios e quatro primas, a toalha não foi a do senhor prior, mas o menu foi apurado. Como é típico, tive de proteger o inventário no meu prato contra os intentos de simpatia logo nas entradas: um esquivar constante entre "Vá lá, mais uma fatia de jambon", e "e o foie gras?". Volvido o prato principal, não poderia faltar a tradicional conclusão "então, não gostaste?". Ainda tentamos contrariar, que nada disso, "gosto sempre muito deste petisco, que aliás estava muito bem preparado", mas acabamos invariavelmente por sucumbir ao argumento do chefe da família, que do seu topo de mesa remata "não gostou, não, afinal só repetiu uma vez; já te tinha dito mulher para que fizesses outra coisa". E por aí, ou por qualquer outro detalhe de importancia nenhuma recomeça a contínua discussão familiar: se não foi por ter feito arroz em vez massa, será porque não se souberam comprar as couves, "que para mais custam um balúrdio e esta gente cá em casa não sabe dar valor ao dinheiro", porque não se abriu o melão que estava mais maduro, porque não se insistiu com o convidado para comer mais queijo, porque "a desorganização nesta casa é maior do que nas outras", porque, porque, porque. Fossem os portugueses utilizar toda esta imaginação para extender discussões familiares ad eternam para desenvolverem trabalho artístico, Lisboa seria a capital mundial da arte; Nova Iorque, Londres e Paris que se cuidem!
Haja na Terra homens ou mulheres da coragem que não tive para explicar-lhes que maior prazer que mais uma pratada de arroz, ou uma fatia de jambom ou um naco de fromage, é poder visitar alguém sem termos de nos sentir desconfortáveis quando no meio e quando sujeito destas discussões familiares; de que criticar as falhas da casa não as desculpa ou ameniza, antes pelo contrário, faz com que o convidado repare nelas, coisa que doutra forma nunca faria.
Depois de todo o martírio da refeição, ainda temos que negociar as nossas próprias opções pessoais: "nada disso, ficas cá a dormir, onde é que já se viu vires à nossa cidade e ficares num hotel", insistência que dificilmente demovem os argumentos "vou sair com uns amigos", "vou voltar tarde", "já não os vejo há muito tempo", "quero estar à vontade", "não quero ter de conduzir para voltar a meio da noite para os arredores", "a empresa até me paga o hotel porque tenho de estar ao serviço na segunda".
É apenas após longa negociação que se chega a um acordo, "vai lá com Deus, mas passas cá amanhã para tomar café". Saímos por fim, já tarde, embuchados ainda da jantarada, cansados de ouvir toda a rezinga, esgotados depois duma negociação feroz, e esperamos apenas que o resto do fim-de-semana, que se queria desinteressado, cumpra essa grande missão de nos colocar de novo em forma para o café do fim de Domingo.
Bar Charlie Birdy, Paris, Setembro 2005
quinta-feira, setembro 01, 2005
Via rápida para o poder
Eu cumpro.
Paulo Portas
A verdade é prometi voltar com mais ligações, e eis-me aqui com uma recém-chegada, ainda verdinha, não fosse ela dar acesso à Via Verde: as frases que te farão chegar ao poder!
domingo, agosto 28, 2005
Produtividade selvagem
LADY BRACKNELL: Do you smoke?
JACK: Well, yes, I must admit I smoke.
LADY BRACKNELL: I'm glad to hear it. A man should always have an occupation of some kind. There are far too many idle men in London as it is.
Oscar Wild, The Importance of being Ernest
Kuala Lumpur mercante
Muito do encanto de Kuala Lumpur reside nos seus mercados agitados. Cada mercado tem a sua cultura e regras próprias, consoante a étnia que os alimenta, quer da parte dos vendedores quer da parte dos que compram ou por ele se passeiam.
No coração da China Town fervilha Petaling Street, um mercado de, claro está, chineses. Muito dada ao comércio, a população chinesa da Malásia controla de tal forma a economia do país, que o governo impôs mecanismos artificiais para devolver à iniciativa privada malaia um papel mais decisivo. E é curioso notar que este é um dos poucos mercados dados ao regateio, com uma regra de ouro segundo a qual o preço óptimo equivale a metade da primeira oferta. Tornou-se no mais famoso e turístico mercado da capital malaia, sobretudo à custa dos relógios primorosamente falsificados que disponibiliza. São centenas de bancadas recheadas de braceletes reluzentes, que os vendedores insistem em mostrar-nos, ainda que já os tenhamos visto exactamente iguais em todas as bancadas precedentes. Será devido à pouca diferenciação entre vendedores que cada um deles se esforça ao máximo por fechar negócio logo à primeira. E é para não garantir que nenhuma bancada passa despercebida (e para grande satisfação dos carteiristas) os corredores foram reduzidos à largura de dois corpos humanos, cada pedaço entregue a um sentido: basta que uma pessoa pare para ver a mercadoria para que toda a rua fique peatonalmente intransitável.
A poucos quarteirões dali, fica o Central Market, aquele que foi em tempos um mercado de frutas, legumes e alimentos frescos, e que agora se dedica ao artesanato local, depois do governo da cidade ter achado impróprio ter um wet market como principal mercado. Vai daí, mandaram-se frutas exóticas e peixe fresco às urtigas, e criou-se um mercado insosso pronto a consumir pelo turista, sem que este tenha de submeter o seu novíssimo Patek Phillippe falsificado ao sal energético dum verdadeiro mercado.
Kuala Lumpur, Agosto 2005
Mas é em Little India que encontrei a pérola dos mercados, o Saturday Market. Uma rua estreita mas longa que se fecha ao trânsito a partir das 5 da tarde uma vez por semana para albergar todo um bazar das Índias: comida, sumos naturais refescados por gelo que os miúdos arrastam pelo chão em grandes blocos, frutos tropicais, especiarias várias, quinquilharia abundante. Pena é que o mercado só exista uma vez por semana, ao contrário do Sunday Market, que, imagine-se, acontece todos os dias! Este último parece já ter conhecido melhores dias de grande animação, não sendo hoje mais do que um conjunto de restaurantes banais entregues a mosquitos variados. Foi aqui que encontrei outra alma perdida, também enganada por um guia turistico: embora de editoras diferentes e em línguas distintas, ambos os guias falavam apenas dos melhores dias e nada da desilusão do presente.
Aceitam-se sugestões para guias decentes...